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quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Para Nunca Cinderela.



Numa época longinqüa
conheci uma princesa rebelde
que não queria se casar,
governar ou cozinhar.

Ela salvou seu príncipe de si mesmo
e o abandonou logo depois.
Seu sono nunca fora eterno,
mas em seus momentos distintos
eram belos.

sábado, 20 de dezembro de 2008

Dá-me a corda

Uma vez eu disse que gostava dos obsessivos
Suicidas
Mulheres
Enfermos de amor
Em termos de loucura.

Uma vez, depois, achei que tivesse passado
a loucura
em termos de obsessão, em termos de obstrução
Em termos de rima pobre em “ão”
Toda rima é pobre se não for obsessiva.
Eu descobri.

Uma vez, então, achei que tivesse voltado
Suicido-me
Feminino-me
Adoeço-me
Em termos de amar-me.

Uma vez, é certo, a Saudade, minha obsessão, voltou
Em termos de passado não: em tê-la no presente.
Saudade de um momento numa galáxia sem nome
em termos de infinito. Inteiros no infinito.
Paixão que enlouqueço-me.

De amar-me. De amor.
De atar-me. Um ator.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

momento epifânico, movimento nº7


Antes eu queria ver o mundo
comprei os óculos para isto
conheci as cores
o vermelho, o cinza, o azul.

mas numa primavera argentina
meus óculos quebraram.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Gênese

Meu herói de papel
saiu da tela do mundo
lutando com um arpéu
contra um vilão vagabundo

De sobretudo pastel
o vilão tem estilo noir
meu herói faber castel
reclama da história inda crua.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Fábula


Escrevi um escrito
sem escrever o escopo
há som neste restrito
e um pouco de Esopo.

Quando a raposa faceira
procura pelas verdes uvas 
o sorriso da rameira
é o verão das chuvas.

sábado, 29 de novembro de 2008

Poema concreto*

Este é um poema abstrato.
Coitado! não tem tijolos, nem cimento,
não tem polvilho, nem fermento,
não tem receita, nem extrato.

Talvez tenha palavras, mas
palavras? Mentiras adequadas
versinhos em privadas
abstinência em conventos

* para ler em círculo

Dormideira

..................................................... para Mirane

resplandece intocável sob o sol
joga beleza e força para o ar
retesa se lhe jogam anzol
encolhe e parece encabrunhar
quando se aproximam, sem vagar,
suas folhas fecham, qual livro que não
mostra suas fontes, qual pedra que água
não permeia, qual quimera sem belerofonte,
qual ressaca sem bebedeira

e sozinha e sozinha quer estar
pra matar a solidão que acompanha
e cada folha em tristeza medonha
quer dormir e estar no belo reino
onde acordar é como um espelho
onde só se mostram maravilhas
onde ressurgem os contadores mortos
que não morrem, recolhem suas pétalas

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Fúnebre

As caras todas nas janelas
como se houvesse cortejo,
desfilassem roupas, chapéus, bandeiras
que não vi. Vi as caras
aparecerem nas janelas,
nos olhos via desfilarem
ossos, solas de pé, um gemido,
um arrepio, que talvez fosse meu

domingo, 21 de setembro de 2008

Um corpo só corpo

Hoje vi um corpo na rua
Um corpo só
Cercado de vozes opacas
Um corpo aberto
Sem as luzes de olhares
Um corpo só corpo
Abraçado pelo mundo cinza
Enegrecido pelo humor carmim.

sábado, 20 de setembro de 2008

A um lírio contento

I

Ah flores insípidas,
de onde tirar inspiração,
se a contrario, alimentas...
Ah, tivestes meu desencanto, flor,
retirado o espanto,
tornar-se-ia rude como eu.

II

Ah flores altivas
de onde tirar admiração
se a respeito, afogo...
Ah, tivestes meu alento, dor,
retirado o encanto,
tornar-se-ia fraca como eu.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Ébrio

"tire o seu sorriso do caminho
que eu quero passar com a minha dor"

A escuridão é esparsamente quebrada pelos postes
altivos e eruditos, com ares de professor
a rua certamente se move ao meu redor
sinto instintivamente certa instabilidade mórbida.

Um cheiro estranhamente alegre e amargo
revirando as entranhas, lembranças não de todo
tristes e pulsantes amarguram meu paladar
um nome me vem a mente, é claro, não é estranho
estranho que não me lembre de odiá-lo.

Tem alguma coisa me incomodando além das meias molhadas,
tem alguma coisa que deveria esquecer
alguma coisa está me machucando você, deveria saber

há algo esquisito que não sei como começo a anotar,
há algo nessa rua que parece não levar a nenhum lugar
gostaria de simplesmente me encostar e dormir
mas me perdi e não há volta, não há lugar
esse caminho me ignora e ignoro o que há nele.

Apenas postes, luzes inadequadas e pouco inspiradas,
o calor delas roubado e a minha
talvez essa luz fraca seja a melhor companhia.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Recortes das cores de um conto

eu cortei a estrada com você
recortei a estrada com você, recortei minha vida pra você
a fim de que desse tempo de você saber de mim,
que sou você, também, porque almas companheiras no infinito colorido:
recortadas

Estive trancada num elevador com ele
e desde as primeiras horas quis continuar trancada
esperamos muito, até que a porta se abrisse
quando isso aconteceu, queria continuar presa: queria para mim
recortá-lo

Eles saíram, na liberdade mentirosa
reencontraram pessoas, amigos preocupados, amores antigos
Reviram fotos, reviveram, assim, o passado, um recorte do presente
e nunca mais voltaram a aprisionar-se juntos
a recortarem-se

De qualquer maneira, decidimos, então, que tanto fazia a vida
porque estamos mesclados no colorido infinito da alma, não-recortado:
pleno.
porque as horas em que estivemos juntos foi toda a eternidade
ela reverbera: a partir dali, sabe-se lá...

Tanto faz o elevador: as horas mágicas perduram,
A saudade serve pra isso: ela é a porta
porta dos retratos, meu porta-emoções, porta-vontades
que eu idolatro, beijando, que eu recorto
coloridamente no companheirismo da alma infinita.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Ao teu olhar

No guichê, um beliscão
como o de Pataca, da literatura de antes, de há tempos.
Um beliscão aproximante: um beliscão como um beijo
O beliscão foi o beijo
O infinito sou eu quando com Você, porque sempre com Você
ainda que não pareça...
Olha: no guichê as pessoas passam,
Você fica, porque eu quis assim.
(Fazendo assim.)
Não sabendo ler as pessoas,
Não sabendo ler as palavras,
Não sabendo não precisar,
Te precisei, mas sem palavras: o Seu canal que sai do olho me chama e me diz
Me chamou, e eu fui: cortamos a estrada, ouvi serenatas
Quis serenatear: mas a voz não saiu
Meu olho é quem canta a Você: e sai até agüinha
Pra Você Se banhar, quando quiser, e Se limpar do escuro
na nossa noite a lua é sol: e somos filhos deles.

domingo, 22 de junho de 2008

Do líqüido.

O sabor sedutor seduz
A boca boba a beber
sedenta sacia ao descer
Da boa bebida e deduz:

Líqüido santo é a cerveja!

segunda-feira, 9 de junho de 2008

noturno III

a noite eu não me lembro do dia
nem do sol, nem da cor das orquídeas
eu não sentira seu odor nas flores
eu não vira suas formas nas nuvens

a noite eu não me lembro do sonho
das crianças em bicicletas, do futebol
na rua descalças, das velhas ranhetando,
do machucado e das gargalhadas

a noite eu não me lembro do jogo
gol aos não-sei-quantos-minutos, o juiz
que não apita, que não manda assinar
e a vontade de dar o beijo e sair e

a noite eu não me lembro do jantar
nem do almoço, nem do café, do pão
com requeijão e da vida dum comercial
de margarina light pro coração

a noite eu não me lembro de não lembrar...

sábado, 17 de maio de 2008

vingança

I

ciumento converso com o vento
e espalho a minha peçonha
o vento, amigo de um tempo,
vislumbra a vida à toa.

II

depressa disponho biruta
tentativa pra quem não dá sopa
suspendo Pandora ao relento
caixa, peneira, vassoura

Numa tarde não tão clara, diante de um vidro quase translúcido, pensando num arremate não bárbaro e coçando disfarçadamente a perna ou O pulo do gato

O gato pintado, cinzento
esvoaça pela rua tristonha.
O azul empoleirado no vento
colore a canção que destoa.

A chuva cai perpendicular e leve
sem tempo a água rabugenta
escoa, o dia segue firme
na janela, saudade adoece,
os olhos de outra pessoa

segunda-feira, 5 de maio de 2008

You must have fallen from the sky

O buraco na parede
era um céu avermelhado.
Nele estava a marca
da esperança que um
prego não agüentou.
Como o sol vermelho
ele deixou sua marca,
responsabilidade
que se precipitou.
O céu de hoje é o
retrato de amanhã
que cai, o vidro
vai pro cesto reciclável,
a foto pra caixa
de onde um dia-promessa
ela se destacou.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Draga

a boca medonha suga agressiva,
efeito de ralo atrativo,
chama ao seu humor as dignas
do lixo, não limpa, provoca estupor.
Confunde o joio do trigo e amarra
o todo em ardiloso fervor.
Suga, chupa o que há de detrito
mesmo no mais suave e incorruptível
amor. Engana, o que se quer enganar,
com chupões-ferroadas sem ferrões.
Exige do rio a areia, onde só há água
e entulha e embarreia a liquidez.
Talvez queira o que lhe é próprio.
Hipócrita suga o que não
haveria pra sugar, mas por elegância
(desastrada) a água faz de si brotar
a areia inóspita que ela deseja,
mas destino de draga é triste,
água que é água percebe que a areia
nela não existe, é o que a draga
procura e mais do que ser o que
ela chupa é o que sua boca dissemina
e a põe no seu lugar de ralo, de alicate
de unha, que é o que se costuma usar.
Que drague o que puder,
pra não ter mais o que sugar.

sábado, 12 de abril de 2008

Do Amor Dialético.


I
Você se cria líqüida
Pura ao me ver muda
Eu ao te ver movida
Em mim o nós aluda.
I
Eu em você sou vida
Em mim você é muda
Somos nós raiz florida
Síntese primavera aguda

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Do Amor Dialógico.

I
Você emparedada em você
Fala comigo, de perto me vê.
Discutimos, eu emparedado
em mim mesmo sou dado.
II
Eu, em mim, vejo você,
mas não nos vemos nós
Em você, você me vê
E juntos não temos nós.

quinta-feira, 20 de março de 2008

O Dom

Na mesa de madeira eu esperei o Dom. Primeiro, sentada na cadeira, com uma lágrima caindo: lágrima de saudade ou de fingimento. Lágrimas de atriz, fingidora, de verdade porém. Cansei-me de ficar na cadeira. E de lacrimejar não cansei, porque é engraçado. Subi a mesa. Escalei aquela mesa gigantesca, de madeira, com trabalhos artesanais nas bordas, mesa de oito lugares, ou doze, ou até mais. Não me lembro. Passei na mesa, massageei minhas costas, minha bunda, cada músculo, massageei minha barriga. Sem me tocar. A mesa me massageava, me acariciava. A mesa de maneira onde eu esperava o Dom.
Sentei-me na mesa, cansada da massagem. Relaxada, relapsa, esqueci-me do Dom. Logo, ouvi a porta se abrindo. Mas ela estava realmente se abrindo, se abrindo assim, ela mesma: ninguém entrou. Senti um vento sublime, um som de saxofone, um som de flauta-doce e um som de tilintar de taças. Tim-tim: abri as pernas e deixei o vento me molhar. A porta nunca bateu. O dom nunca chegou. E eu... Eu sei lá. Devo ainda estar na madeira esperando. Tim-tim.

quarta-feira, 19 de março de 2008

As traças

O sutiã dela era de cor chocolate
Sem, sem-graça, bem assim
Cor de chocolate, cor-da-pele: cadê a graça?
Cadê a raça, chocolate não: cor maior, cadê?

A raça se mostra pelo sutiã, disse eu
Ela riu-se e tirou o sutiã: sem bojo
Sem, sem graça: ela espera que eu faça
Cosquinhas na barriga cor de chocolate

Chocolate sem cor, leitoso:
Há de ter traça, sutiã velho, traçado sem graça
Traça e boca: cor de chocolate
sutiã cor-da-pele: chocolate claro, inaçucarado

O sutiã dela não tinha bojo
Perdi meu mojo, ela o dela, sem graça
Sem, sem açúcar: cristal orgânico
Eram os seus olhos assim.

Seus olhos eram de cristal orgânico
Achei graça.

(E saudade...)

segunda-feira, 17 de março de 2008

Do amor obscuro


I

Ao acordar no cinza dia,
Opaca verdade do Ego.
Açoite afunda no pelego
O erro de Eros se irradia.

II

Deuses e Doidos no prego,
Presos Ego e Eros na latrina
Pego infinito d'alma dum grego.
Lascívia lúgubre, finda a trina.


quinta-feira, 13 de março de 2008

Catarse.

O meu amor é uma chamada não atendida,
É um telefone que não toca,
Uma ligação não feita,
Uma espera perdida
Que se estreita
Oca.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Fim

Se escrevo é como que desanimo de dentro
de mim flui essa escrescência contaminada.
Minha cabeça, em cãimbras, meu gesto lento
me atordoa, excursiono a nódoa, o nada.

Não escrevo como um escarro me lembra o beijo-
não beijo! golfo na folha linhas azuis
Sem pudor, com respeito, trato o câncro
onde despejo o ressentimento do meigo

A transparência esgota a poesia, quero
pedra de barro, vidraça quebrada - inquérito -
não pelo barulho, ou pela polícia, coisa de criança. Pirraça.
Pelo estilhaço, e a sorte da cachaça.

Verter sangue no olhar, reverter a câmara.
Frio, tivesse o bisturí e o alicate.
Finda-se aqui o começo.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

desatam-se pós (do teu café)

Seu café não se perdeu não, está é demais quente
Juro, seu café espuma, a língua que queima sacode
delícia de espuma na boca, no fogo no bigode
Hoje só sobrou uma colher de pó de café.

Se se põe mais água fervente
O café com a espuma, na xícara
Torna-a cheia, xícara quente
Xícara branca, pó de café: pós de café.

O metabolismo se acelera: vem, vem!
Vem, vem, vem: acelero, acelero, ainda te espero.
Com mais calma, admito, mas é café que quero
Te quero numa xícara branquinha, pequena e barata.

O pó de café, pós de louças em migalhas
Colho e recolho o retalho da xícara e os pós, e os pós
desconsertáveis, desconcertados, és atroz
És Philip Glass: pananã, pananã, desatam-se nós, desatam-se nós.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Ruminação

Rasgos de tempo distraídos na chuva,
delícias de amor, sem valor, agora são minhas.

Rasgos de tempo estocados no criado-mudo
elixir que acorda e não permite dormir.

Rasgos de tempo pregados na parede da avó
cinta grossa que encanta e faz sangrar.

Rasgos de tempo caminham sob meu paletó
macacos embalsamados em rios violentos.

Rasgos de tempo atolam os dias,
num lamaçal suculento e enojador.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Do gás

Até gosto da chuva de sol
Que não molha, que queima
A grama até sente
- sente-se mais verde
um verde-queimado, verde-música -
Porque o vento sabe é cantar
A música só nasce do que queima
Não fosse assim, a chuva de sol não seria o que é.


Até gosto da grama de pasto
porque tem bosta
Mas quando a chuva de sol a queima
Ela vira música: a música nasce do que queima
É carbonizando que se faz tudo isso.

Não quero extintor:
medidas preventivas tiram o frescor da grama que,
queimada de orvalho,
sai pra carbonizar
Agonizar, fétida
E gosta
E goza: delícia!

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Cúmulo da ridicularidade ou A paródia é um plágio, mas diferente

hoje estou contente
e isso não é motivo pra poesia,
ontem estive magoado
e isso não importou à vizinha,
amanhã me sentirei diferente
e isso não vai ser melhor
(sentir-se diferente
é sentir-se igual, mas não totalmente).

no verão passado - e aqui sempre é verão -
não choveu como eu queria
no inverno passado - que dura três dias -
não fez frio como deveria
e isso não mudou em nada a minha vida
exceto que eu não tomei banho de chuva
todos os dias e que não pus meu agasalho
que não tenho.

as vezes me sinto sozinho
mas isso não me torna especial.
quase sempre me sinto ridículo
e isso se materializa.

Exaltação

ao Guilherme e a mim mesmo

Oh doce criança, que sonho repeles e veneras?
Porque tão belas são as maçãs nas vitrines,
da mercearia? E se os ideais não fossem quimeras?
E se a faca que rasga a maçã e o peito fosse efígie?

A faca - oh maldita! - que lasca o encanto
da ainda não adormecida, é a mesma - oh escrúpulo! -
que converte os não cristãos, pelo sepulcro
a que renegas, mas em tumba encerras, tanto

que se as vitrines espelham o glamour hediondo
parecem os colares, antes serpentes vasculares
que gostarias, músicas sem ritmo e se te contam -
ingênuos! - quem diria? não reconheces teu lar?

E se adormecida entre as suas faces, pegue beira
no ressentimento e no desencanto, - não! -
Enganaram-te os eletrodomésticos, querias geladeira
fostes rotulado panela de pressão!

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Quinta-feira

meu casaco permanece, deitando o que há em mim
nada em você me espelha, o seu oco
dentro do que em mim me precipita.
Os braços, antes conforto, restauram o mofo.