Pesquisar este blog

quinta-feira, 20 de março de 2008

O Dom

Na mesa de madeira eu esperei o Dom. Primeiro, sentada na cadeira, com uma lágrima caindo: lágrima de saudade ou de fingimento. Lágrimas de atriz, fingidora, de verdade porém. Cansei-me de ficar na cadeira. E de lacrimejar não cansei, porque é engraçado. Subi a mesa. Escalei aquela mesa gigantesca, de madeira, com trabalhos artesanais nas bordas, mesa de oito lugares, ou doze, ou até mais. Não me lembro. Passei na mesa, massageei minhas costas, minha bunda, cada músculo, massageei minha barriga. Sem me tocar. A mesa me massageava, me acariciava. A mesa de maneira onde eu esperava o Dom.
Sentei-me na mesa, cansada da massagem. Relaxada, relapsa, esqueci-me do Dom. Logo, ouvi a porta se abrindo. Mas ela estava realmente se abrindo, se abrindo assim, ela mesma: ninguém entrou. Senti um vento sublime, um som de saxofone, um som de flauta-doce e um som de tilintar de taças. Tim-tim: abri as pernas e deixei o vento me molhar. A porta nunca bateu. O dom nunca chegou. E eu... Eu sei lá. Devo ainda estar na madeira esperando. Tim-tim.

quarta-feira, 19 de março de 2008

As traças

O sutiã dela era de cor chocolate
Sem, sem-graça, bem assim
Cor de chocolate, cor-da-pele: cadê a graça?
Cadê a raça, chocolate não: cor maior, cadê?

A raça se mostra pelo sutiã, disse eu
Ela riu-se e tirou o sutiã: sem bojo
Sem, sem graça: ela espera que eu faça
Cosquinhas na barriga cor de chocolate

Chocolate sem cor, leitoso:
Há de ter traça, sutiã velho, traçado sem graça
Traça e boca: cor de chocolate
sutiã cor-da-pele: chocolate claro, inaçucarado

O sutiã dela não tinha bojo
Perdi meu mojo, ela o dela, sem graça
Sem, sem açúcar: cristal orgânico
Eram os seus olhos assim.

Seus olhos eram de cristal orgânico
Achei graça.

(E saudade...)

segunda-feira, 17 de março de 2008

Do amor obscuro


I

Ao acordar no cinza dia,
Opaca verdade do Ego.
Açoite afunda no pelego
O erro de Eros se irradia.

II

Deuses e Doidos no prego,
Presos Ego e Eros na latrina
Pego infinito d'alma dum grego.
Lascívia lúgubre, finda a trina.


quinta-feira, 13 de março de 2008

Catarse.

O meu amor é uma chamada não atendida,
É um telefone que não toca,
Uma ligação não feita,
Uma espera perdida
Que se estreita
Oca.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Fim

Se escrevo é como que desanimo de dentro
de mim flui essa escrescência contaminada.
Minha cabeça, em cãimbras, meu gesto lento
me atordoa, excursiono a nódoa, o nada.

Não escrevo como um escarro me lembra o beijo-
não beijo! golfo na folha linhas azuis
Sem pudor, com respeito, trato o câncro
onde despejo o ressentimento do meigo

A transparência esgota a poesia, quero
pedra de barro, vidraça quebrada - inquérito -
não pelo barulho, ou pela polícia, coisa de criança. Pirraça.
Pelo estilhaço, e a sorte da cachaça.

Verter sangue no olhar, reverter a câmara.
Frio, tivesse o bisturí e o alicate.
Finda-se aqui o começo.