Pesquisar este blog

terça-feira, 18 de maio de 2010

(pós)moderno

Um sol tingido de sangue ralo
não faz diferença quem pintou
descobrissem que foi manchado
não era peça de colecionador

Cotidiano

o dia estava claro
dum azul retumbante.

Eu olho a estante
e esqueço do trabalho.

Descalço me olho
no espelho descarnado.
A barba penica os dentes,
a fome devora o assoalho,
num risco perdido de gentes

o sol, mais vivo, de repente
tinge de sangue meu terno
no bolso percebo novamente
o gosto dos dias de inverno

sem pressa viro o café
de dias que nem se sente,
mas quando do espelho
foge um palhaço, é certo
mais um dia me desfaço,
imito um projeto doente.

Roda gigante

em duas versões

I

uma roda-gigante.
Uma profusão de luzes e cores
rastejando no ar tempo.
era sem dúvida, uma rarefeita
agitação despreocupada de ser
moça, desabitada de batom
destronada de realeza.
Nessa ofuscante e entusiasmada
sensação viam se lágrimas
talvez

II

Era uma roda-gigante,
sem forma,
uma profusão de luzes e cores
rastejando no ar-tempo.
Era sem dúvida uma rarefeita
agitação despreocupada de beleza,
despreocupada de vida, destronada de honra.
Nessa desnorteante e entusiasmada
ilusão perdeu

seu coração

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Patinando

É difícil a escuta, prefiro falar, falar, falar, porque preciso me expressar, porque passei sabe-se lá quanto tempo pedindo pra Deus me mandar pra Terra, então me deixem falar, falar, falar. Já escutei demais, agora quero falar. Preciso falar, porque sou a típica artista insatisfeita com seu contexto, então preciso me expressar, expressar muito, preciso por pra fora toda a ânsia de ser humana. Preciso, preciso muito, não quero, mas preciso, essa ânsia desesperada e ansiosa de querer falar está me tirando do meu famoso centro, coisa que artistas sempre ouvem mas nunca sabem o que é, porque se eles forem ao centro deles vão fazer a arte Divina, e não é isso que os artistas querem, eles querem fazer a arte medíocre típica de um ser feito de um pedaço de carne dura, tensa, embaraçada, envenenada, adoecida.
Preciso falar, falar pra me curar, é a cura na língua que precisa se limpar do veneno de ser compulsiva por ficar presa ao céu da boca e não expressar aquilo que o coração (de)manda. Muito tempo com a língua no céu da boca, grudada, hora de falar, de colocá-la entre os dentes.
Depois, a língua sangrou. Tanto tempo sem falar, que me perdi no movimento e não soube o que era falar. Reivindiquei tanto, mas descobri agora que não sabia bem o que era falar, reivindiquei sem saber, mas o desespero do momento me dominou, porque precisava me expressar. Com a língua mordida, ou cortada por vocês, que, de tão irritados, me deixaram nervosa e me fizeram esquecer a arte do falar, com essa língua massacrada, agora escrevo, escrevo, escrevo. E não digo nada.

Intervalo

Gosto mais daquela transa rápida, no tempo de um café. Intervalos são mais plenos do que as atividades à que eles se destinam. Porque trazem o homem naquilo que o coração dele gostaria mesmo de fazer naquele instante: tomar café, trepar sem combinar, fumar um cigarro, pensar no que a mente pedir. Gosto do intervalo. Gosto de coisas de uma sentada só, até do sexo, afinal, se raramente vou gozar mesmo, que a transa seja rápida, apenas para ativar qualquer coisa de carne que me torna humana.
Nesse intervalo, pensei naquele menino que toma e retoma o meu café, que ainda puxa o fio da minha meia-calça – não puxava, antes, mas puxa agora só porque ficou no passado e passado é muito melhor. Porque o passado só existe em nossos intervalos, quando podemos lembrar dele e buscar a dor da saudade deliberadamente. Na arrogância que me torna humana de planeta Terra, pergunto: o que é o tempo, afinal?
Minha mente responde, conectada com o infinito: foda-se o que é tempo. Tudo o que for tempo não importa. Foda-se o que é o tempo. Bom é saber que ele transforma minha consciência em sub-consciência ou em inconsciência diversas vezes por dia, em apagões que não lembro se tive porque são apagões. Esses apagões também me interessam, porque são intervalos da mente que fica evitando pifar. Mas não é no gerúndio que a vida acontece: é no instante entre o ponto-final, enter, tab, novo parágrafo. É no entre que a vida acontece. Por isso te peço: toma teu café, homem, toma teu café, que é ele que te pare, enquanto você pensa que está parindo belas idéias a serem esquecidas quando, na xícara, só resta um açúcar molhado.