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segunda-feira, 22 de outubro de 2007

A poesia procura(-te)

Tragédia em dois atos

Monólogo que funciona como prólogo: início da tragédia

Não busque poesia na sua fala,
mentirosa e comum,
Cheia de pompas e erudição,
Joguetinhos sem razão, rimas pobres
terminadas em ão ou qualquer outro sufixo:
pobres porque mentiras.

Paulo Autran comove a mim,
a você, seja teatrando ou não;
isso porque, sem erudição, ele fala
simples, puro e o principal:
é de verdade.

Você não comove ninguém
seus simulacros são mentiras
os dele eram de verdade, verdades
simples, bonitas e, por isso, cruas.
Cruas e, por isso, poéticas.

Sua erudição não é poesia.
Poesia é a sensibilidade d’Ele,
O Paulo Autran comove, consegue, condiz seu olhar
com o que a boca finge pronunciar,
mas não precisa: porque a verdade já está.

O simulacro dele é poesia: não afirme que a flor do campo é poesia.
Deixe esse romantismo patético na grama bosteada do pasto: a poesia ainda não está aí.
O que é, afinal, simulacro e poesia?
A poesia são as verdades que ninguém diz.
A verdade é o simulacro que não diz: é.
E quem enxerga o óbvio?
Não, não são os poetas: é o teatro. É o profeta. O teatro é a poesia.
Mas não cantes, ó erudição, os palcos, portanto.
O teatro é mais que isso: o teatro é poesia.
Faça teatro e fará poesia: faça teatro na poesia,
Fale a verdade que só os profetas enxergam: e só eles
enxergam o óbvio, não é, Teatro Moderno?
Fale a verdade que só o ator (que é poeta por excelência e não deve fugir) é.


1º ATO

(papel e caneta, nada de penas e tinta-nanquim... Deus o livre!)

Por que cantas tua cidade, tua idade, tua infância, infanta mimada e mentirosa?
Por que cantas a Modernidade (ou para ela), a tradição,
a merda mística do período artístico?
Deixe-os em paz:
A ninguém importa tua inutilidade.
A ninguém importa o que você sabe sobre arte.
A ninguém importa o misticismo da poesia:
a todos importa ela mesma. Nua e crua!
– Sem trocadilhos pobres, por favor.

Não faças poesia sobre passado algum:
a quem importa o interior barreado cheirando a merda de cavalo?
Não busques poesia de paisagens, já inventaram a fotografia:
não simules uma fotografia: a poesia não é isso. Nem registro nem imagem assim.
É outra coisa: outra imagem menos fixa e erudita.
Esqueça, não busques, ó erudição, poesia na mulher amada.
Mal amada é que ela deve ser: é só gostosa e pronto...
Mas não é de verdade: e tem que ser de verdade. Senão
não é poesia.
– Mas veja, ai de mim, que tragédia... O que é poesia, Mitropoulos?

Não interrompas a verdade, ou interromperás
a poesia, ainda que besta... Cala-te e faz
a verdade ser ela mesma, sentindo o ar que nem te passa,
mas joga os cabelos para trás. Entendeste, ó plagio de
Jean Tardieu?
Busque o teatro no caminho, na verdade e na vida:
Encontrando-o: isto, sim, é poesia.

2º ATO

Não mescles palavras de sons semelhantes, sibilantes, errantes:
isto também não é poesia.
Se se quiser brincar com as palavras, com o dicionário imbecil
qualquer um pode fazer: e à sua maneira, não à tua. Logo,
é inútil o que procuras. Poesia ainda não é palavra: é verdade.
– Mas e a verdade?
Não interrompas o fluxo de minha fala, ainda não dei o texto todo.
Nem o decorei, e seria, de fato, inútil: a verdade também não está aí.
E poesia, então, também não: a verdade é a terra que hoje engoliu
os olhos daquele teatrator poeta: eles são a verdade.As palavras dele, nem as suas, nem as minhas a é:
a verdade a terra engoliu.

Não faças versos sobre acontecimentos: de absurda já basta tua pretensão.
Não faças versos sobre animais, flores, flora e fauna nojentas ou belas:
o grotesco ou o sublime não são isso. Nem existem sem a protagonista
que agoniza a verdade para mim, para ti. Para Ele, que levou a verdade junto...
Não procures poesia nos objetos da sua casa, no olhar amigo, no olhar excitado,
Na libido falsa de um pênis rígido: isso também não é poesia. Nem é grotesco.
É grosso e mentiroso: e a verdade é outra coisa.


Não te fixes em tragédias (irresponsáveis, que sejam) em três atos:
dois já bastam, desde que sejam a verdade.
Não faças análise literária: pelo amor de Deus!
Isso mata a poesia, o poeta, quem lê, quem finge que lê
quem ama, quem odeia, quem execra literatura,
quem exalta a mentira toda que tem nesse repertório de palavras
Mentirosas, mentirosas, cadê a verdade?

Não uses a erudição nem a segunda pessoa do singular!
Ninguém usa o tu hoje em dia: só a comédia de costumes ruinzinha,
uso agora para fazer uma sátira pobre, como tua rima terminada em ão
inho, eijo, eira, ura, ara, ará, erei, azia... etc. Etc. Etc.
Seja pobre na escolha vocabular: isso é ser simples
Seja pobre nas aulas de análise: isso é ser simples.
Seja pobre no cotidiano: isso é ser simples.
Mas não seja pobre ao olhar a verdade:
ela só se deixa surgir às vezes.
E para poucos... A mim foi há pouco e por pouco
também.
O Paulo Autran é que a detém.
Mas não sei se tem legado que se possa absorver:
minha pretensão é pouca: tenho medo da verdade,
porque podem aparecer aqueles que fingem sê-la!
E aí me confundo, porque com essa cegueira não dá.

Cantes, portanto, à verdade para que ela volte
com ele, ele que comove, consegue, condiz seu olhar
com o que a boca finge pronunciar,
mas não precisa: porque a verdade já está.

Repara: ermas de verdade, de conceito e de potência
As palavras nada traduzem, deixe-as em estado de dicionário.
Só as busques, e aí farás poesia, quando a verdade chegar,
quando a boca começar a pronunciar mas os olhos não deixarem:
Não precisa, porque aí a verdade já estará
contigo e isso é poesia.

(Blackout: foco na verdade dos olhos do ator)

FIM

10 comentários:

Letícia Tomazella disse...

A Drummond. E, sem dúvida, a Paulo Autran: que falta você já faz...

Letícia Tomazella disse...

Ah, um comentário: alguns versos aparecem de forma diferente no blog. Acho que é por conta do espaço.
Beijos, people. Ah, poli (se vc ler isso): AMEI seu poema. Bom, vou lá escrever pra vc, vai =D

Fernando Cordeiro disse...

"Não faças análise literária: pelo amor de Deus!
Isso mata a poesia, o poeta, quem lê, quem finge que lê
quem ama, quem odeia, quem execra literatura,
quem exalta a mentira toda que tem nesse repertório de palavras"
Não digo mais nada hehehe

Guilherme Mariano disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Poliana Ganan disse...

Le, queria dizer grandes verdades sobre o q acabo d ler, entaum, melhor se comentasse em poesia, mas na impaciência de encontrá-la, na verdade q ela DEVE ser, desisto e fico apenas com a sensação, só minha, d quem alguma verdade encontra em qq tentativa da poesia... Bjsss!!! T adorooooo!!!

Guilherme Mariano disse...

EU tinha errado no outro comentário. Gostei do poema,é um belo Manifesto, acho que sincroniza suas tendências e você o faz em poesia. Contudo, não sou fã do Paulo Autran, e não sou ator, e a poesia para mim não é o teatro e não falo apenas de palco. Mas eu acho que foi um belo manifesto.

Letícia Tomazella disse...

Gui, acho q se vc ler um pouco mais, vc vai ver q nao é ao pé da letra que se deve ler o "falar de palco" ou o "falar de teatro". E se vc reparar bem, faço tudo oq a poesia diz pra nao fazer e talvez tudo oq ela diz pra fazer... Enfim.. Deve-se ler de verdade. Releia pra vc ver... =)

Guilherme Mariano disse...

Eu entendi o que você disse Lê, você não entendeu meu comentário.

Guilherme Mariano disse...

desculpa se eu pareci agressivo, não foi a intenção. O que eu disse com meu comentário, não foi contra seu poema. Acho-o bom, mas como manifesto ele é so teu. Entendeu? Eu não me identifico e não concordo com ele, e não gostei das metáforas. MAs isso é claro, é a minha opininão. desculpa se fui agressivo.

Fernando Cordeiro disse...

Bom, esse poema/manifesto/peça/seja-lá-o-que-for tá bombando... e eu não queria me abster de entrar na polêmica (afinal, quando eu falei pro Gui criar isso aqui, era justamente pra isso)... Lê, muito bom, muito legal mesmo, acho que ele expõe algumas questões com as quais estamos todos em contato, é claro, de maneira bastante sua... isso explica a reação do Gui, e, em parte, também a minha... Creio que ela traz a tona um "problema" da poesia ("o que é?, o que não é?", será que esse problema nos leva a algum lugar??, a julgar pelo texto do Gui no teclado pesado eu diria que não, mas não sei se ele próprio concordaria com isso, um bom tema pra continuar a discussão) e além disso tem a questão que a gente já tentou abordar no seminário de literatura espanhola, a sua queda por uma espécie de abordagem "impressionista" do texto... creio que li um comentário desse tipo da Poli também, em que ela diz que isso é um dos aspectos legais desse blog... a Mi também, pelas conversas que mantenho com ela é muito a favor de uma visão do texto literário que privilegie o prazer da leitura, como é mesmo a frase do Tolkien: há dois tipos de leitores, aqueles que bebem a sopa e aqueles que querem dissecar e estudar os ossos...
Bom é isso, como o Gui - se pensarmos seu texto como apenas um manifesto (e isso seria empobrecê-lo) - eu teria uma série de objeções a fazer. Agora pensando ele em sua multiplicidade (em suas múltiplas possibilidades e direções) eu achei um ótimo texto e muito importante. Pense no tanto que vem repercutindo hehehehe
até mais